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Governança: Aplicações E Limites Para Uma Corporação Efetivamente Completa

Atualizado: 16 de jun.

REPENSANDO OS LIMITES DAS SOLUÇÕES PARA PROBLEMAS QUE PARECIAM RESOLVIDOS


A governança empresarial ergueu-se como um verdadeiro pilar dos tempos modernos, não mais mero jargão, mas uma bússola ética que orienta as empresas rumo à transparência, integridade e à capacidade de se prolongar no tempo. Tornou-se o alicerce silencioso que sustenta a confiança do mercado e a legitimidade das decisões corporativas. No entanto, eis que emerge uma questão contemporânea: e quando essa régua se inverte, transformando o zelo em prejuízo?


Governança


Pensada pela primeira vez nos debates empresariais do pós-crise dos anos 1970 — um período marcado pelo caos e pela reconstrução após a crise do petróleo — a governança corporativa surgiu em meio a um verdadeiro terremoto econômico global. Naquele momento, países da OPEP reduziram drasticamente a oferta de petróleo em retaliação ao apoio dos EUA a Israel durante um conflito. O preço do barril disparou, provocando a paralisação de fábricas, inflação galopante e o surgimento do conceito de estagflação — uma combinação tóxica de estagnação econômica com alta inflação.


Nos bastidores das grandes corporações, essa crise expôs fragilidades estruturais: decisões equivocadas, gestões desconectadas dos acionistas, ausência de controles e falta de visão estratégica. Foi nesse vácuo de confiança que começaram a tomar forma os primeiros contornos da governança corporativa — uma tentativa de reorganizar gestões fragmentadas e impor um mínimo de ordem em meio às incertezas. Desde então, a governança se difundiu como um conjunto de práticas que garantem transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade dentro das organizações. Mais que uma moda ou protocolo, nasceu como antídoto ao colapso e resposta urgente para evitar a repetição dos mesmos erros.


Com o passar dos anos, seu alcance ultrapassou conselhos de administração e assembleias de acionistas, transformando-se em um leque amplo de balizadores e aplicações. Hoje, permeia decisões estratégicas, compliance, políticas ESG (ambiental, social e governança), gestão de riscos, auditoria interna e cultura organizacional. Atua como bússola em fusões e aquisições, freio em decisões arriscadas, ponte entre investidores e executivos; protege minoritários, preserva reputações e assegura a perenidade das empresas.


Impulsionada pela publicidade dos escândalos corporativos do início dos anos 2000 — como Enron, WorldCom e, no Brasil, o caso Petrobras, o maior escândalo de corrupção do país — e pelas turbulências financeiras globais de 2008, a governança passou a ser vista não apenas como boa prática, mas como escudo moral e mecanismo de sobrevivência institucional. Contudo, após sua consolidação, uma pergunta incômoda emerge na contemporaneidade: até que ponto a governança entrega valor real? Quando sua aplicação deixa de ser frutífera para engessar estruturas, sufocar a ousadia e burocratizar processos que deveriam fluir? É fundamental abrir a caixa-preta de seus limites para entender seus contornos com clareza.


Estudos que buscam medir seus impactos reais já alertavam para seus limites. Em 2003, o artigo The Dangers of Too Much Governance (Os Perigos de Governança em Excesso), publicado no MIT Sloan Management Review por Holmstrom e Kaplan, apontou que, após escândalos e o endurecimento das regras — como a Lei Sarbanes-Oxley nos EUA — muitas empresas adotaram níveis tão rígidos de controle que minaram inovação e flexibilidade.


Na década seguinte, David Larcker e Brian Tayan, da Stanford Graduate School of Business, aprofundaram essa crítica em obras como Corporate Governance Matters (Questões de Governança Corporativa, 2011). No ambiente acadêmico, Jeanette Baird, em 2014, publicou estudo na SAGE Journals revelando os impactos da governança corporativa na educação superior. Pressionadas a adotar modelos empresariais de controle e desempenho, instituições de ensino passaram a viver tensões entre eficiência e liberdade acadêmica. Nesse contexto, a governança pode ser eficaz na gestão, mas prejudicial à essência criativa e exploratória da educação.


Na mesma linha, um artigo da Cambridge Core de 2014, intitulado Compliance and Creativity: Dilemmas for University Governance (Compliance e Criatividade: Dilemas na Governança Universitária), analisou como a busca desenfreada por conformidade e padronização pode colidir com a criatividade institucional. O que se ganha em controle pode ser perdido em capacidade de transformação.


Mais recentemente, em 2023, o artigo Seven Gaping Holes in Our Knowledge of Corporate Governance (Sete Lacunas Abertas no Nosso Entendimento sobre Governança Corporativa) voltou a lançar luz sobre as fronteiras da governança. Aponta que muitas práticas são aplicadas como dogmas, sem comprovação real de eficácia, sendo em alguns casos mais cosméticos do que funcionais — um verniz que tranquiliza o mercado, mas pouco contribui para a sustentabilidade do desempenho empresarial.


No conjunto, esses estudos indicam uma visão ambígua, porém necessária: a governança é aliada estratégica quando aplicada com inteligência e contexto. Mas, quando elevada a fetiche ou blindagem absoluta, pode virar prisão — polida, transparente, bem-intencionada, mas ainda assim prisão. A eficácia da governança depende da dosagem certa: o equilíbrio delicado entre controles e flexibilidade, transparência e agilidade, proteção e inovação. A receita e seu aplicador precisam encontrar esse ponto de equilíbrio, lembrando que governar não significa paralisar — é preciso permitir que a organização respire, cresça e aprenda, porque errar também faz parte do caminho certo.


Exagerar na governança sufoca a criatividade e trava o crescimento, enquanto sua ausência abre portas para o caos e a desconfiança. O desafio contemporâneo é claro: aplicar a governança com inteligência, contexto e moderação, reconhecendo que sua força real está em servir à organização, não em aprisioná-la. Só assim a governança cumprirá seu papel maior: garantir não apenas a sobrevivência, mas a capacidade contínua de reinventar-se e prosperar num mundo em constante transformação.

 

 

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