Índice De Judicialização No Brasil: Quando O Grito Vira Processo
- ACERVO LEGAL

- 29 de mai.
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Atualizado: 16 de jun.
HÁ QUEM DIGA QUE ÍNDICE DE JUDICIALIZAÇÃO É O ESPELHO DA DEMOCRACIA, MAS SERÁ QUE RELAMENTE ESTAMOS TRANTANDO DE DIREITOS OU ACREDITAMOS INABILIDADADES TORNARAM-SE DIREITOS;
O Brasil é um país onde a esperança veste terno e entra com petição. Judicializar virou verbo do cotidiano. Ideia virou direito. Pensar se criminalizou. E tudo aquilo que você acredita que é – mesmo que não seja – virou causa, virou tese, virou processo.

Serviços falham, atendimentos são precários, políticas públicas não funcionam. Mas será esse o verdadeiro motivo de tanta judicialização? Ou será que, diante do vazio de diálogo, da falência dos consensos mínimos, tornamos a ida ao Judiciário um padrão social?
Entre protocolos, carimbos e audiências, talvez não estejamos apenas buscando justiça, mas transferindo para o tribunal o que antes resolvíamos no olhar, no acordo, na confiança. A toga virou terapeuta. O juiz, mediador de tudo que o Estado não dá conta de resolver. Processamos porque não ouvimos. Litigamos porque não somos ouvidos. E, nesse ciclo, o processo virou linguagem comum, processar virou ameaça pública e a sentença – pobre coitada, que deveria ajudar – virou remendo.
A Justiça, muitas vezes, tornou-se o último recurso para aquilo que já deveria ter sido resolvido muito antes do protocolo. Nos últimos cinco anos, segundo dados do próprio Conselho Nacional de Justiça, o Judiciário se transformou numa arena de disputas que deveriam, na maioria das vezes, ter sido resolvidas na base do bom senso, da política pública bem feita ou do contrato respeitado. Mas a realidade é crua. E os números, ainda mais.
Até o fim de abril de 2025, já haviam dado entrada 12 milhões de novos processos. Só no primeiro quadrimestre. Pela média dos anos anteriores, esperava-se algo em torno de 10,2 milhões nesse período — mas a conta passou 2 milhões do previsto logo de início. Se seguirmos nesse ritmo, 2025 pode bater recordes e deixar para trás até os anos mais tensos do passado recente.
A média desde 2020 é de 30 milhões de processos por ano — o equivalente a 2,55 milhões de processos por mês. Isso não é um sistema de Justiça. É uma fábrica de papelada, alimentada pelo descompasso entre a realidade das ruas e a capacidade institucional de resolver conflitos com eficiência. E não para por aí.
Mais de 80 milhões de processos tramitam atualmente no país. Imagine uma fila com todos esses litígios — ela poderia dar a volta no planeta, quem sabe até mais de uma vez. Em primeiro grau de conhecimento, já são mais de 8 milhões de processos abertos apenas neste ano. E a tendência é de alta. A judicialização não é mais exceção: virou o retrato da regra mal cumprida.
E o tempo — recurso já escasso por si só — torna-se o carrasco oculto desses dramas. Porque o Judiciário, de um jeito ou de outro, lida com vidas. Por mais sobrecarregado que esteja, nosso sistema jurídico ainda é visto como a última esperança — ou o último empurrão. Mesmo sabendo que é demorado, seguimos acreditando. O que, à primeira vista, já não parece normal: a média mínima de espera até o primeiro julgamento é de 832 dias — mais de dois anos. Mas, em certos casos, como ações originárias nos tribunais superiores, o tempo médio chega a 11.212 dias. Sim, 30 anos. Uma geração inteira esperando a Justiça se pronunciar pela primeira vez.
E o pior: mais de 73% dos casos seguem sem solução. Dormem nas prateleiras, repousam em nuvens digitais, aguardam um despacho, uma audiência, uma assinatura que talvez nunca venha. A morosidade não é apenas técnica — ela é estrutural, institucionalizada. Ou melhor: materializou-se em algo real mesmo sem precisar existir. E, cá entre nós, o tempo é, para muitos, cruel.
A pergunta constante é: por que tanta judicialização? Onde estamos errando? Será que nossa cultura criou a lógica de errar primeiro e recorrer depois? Ou estamos apenas exercendo direitos demais sobre aquilo que sentimos muito e acreditamos, mesmo sem saber se o direito existe?
O Judiciário não é panaceia. Não é pronto-socorro para todo e qualquer conflito. Quando tudo vira processo, o sistema entra em colapso. E quando ele colapsa, quem paga é o cidadão comum — aquele que espera por uma decisão que talvez nunca venha, que engole a frustração junto com a papelada.
Há quem diga que o índice de judicialização é o espelho da democracia: mais acesso, mais direitos sendo buscados. Mas essa meia-verdade não se sustenta sozinha. Um sistema eficiente é aquele em que os direitos são cumpridos sem que se precise processar ninguém. Quando tudo vira briga judicial, é sinal de que algo, antes disso, falhou. Judicializar é sintoma. E precisa ser tratado como tal — antes que se transforme em mais uma doença da modernidade. Que, sejamos sinceros, já praticamente virou. E a cura? Passa por planejamento público, investimento sério em prevenção de conflitos, mediação, conciliação, responsabilidade institucional e, sobretudo: educação.
Não se trata de culpar o cidadão que recorre à Justiça. Ele está, em alguma medida, no seu direito. Mas é preciso olhar para o cenário mais amplo: estamos empurrando todo e qualquer problema para o Judiciário porque as outras esferas não estão cumprindo seu papel.
E se 2025 já começou assim, com 12 milhões de processos em quatro meses, a quem tem bom senso, o alerta está dado: judicialização virou política pública disfarçada. Só que disfarce não resolve problema. Resolve processo — quando muito. E, no fim das contas, o índice de judicialização é o retrato da nossa incapacidade de resolver conflitos sem levantar uma bandeira de guerra. E isso, francamente, não parece justiça. É só o adiamento dela. Por anos. Às vezes, por décadas, senão mais.



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