Direitos sob ataque: como os golpes modernos exigem proteção jurídica constante
- ACERVO LEGAL

- 2 de jun.
- 4 min de leitura
Em um mundo cada vez mais digital, dinâmico e interconectado, proteger direitos fundamentais vai muito além de garantir acesso à Justiça. Hoje, a luta é também contra o invisível: contra golpes sofisticados, fraudes travestidas de inovação, armadilhas digitais e ameaças jurídicas disfarçadas de oportunidades. A era da informação trouxe muitos avanços, mas também um novo tipo de vulnerabilidade. Quem não conhece seus direitos, invariavelmente, será a próxima vítima.

O cenário atual é alarmante. Golpes de estelionato digital, fraudes envolvendo dados pessoais, clonagens de identidade, crimes contra o consumidor, pirâmides financeiras com roupagem tecnológica (como as “fintechs fantasmas”) e até golpes emocionais disfarçados de relacionamentos online ganharam espaço na sociedade brasileira, impulsionados pela falta de educação digital, pela morosidade legislativa e, muitas vezes, por uma estrutura jurídica que ainda engatinha para lidar com esses novos desafios.
Do ponto de vista jurídico, proteger-se significa primeiro conhecer seus próprios direitos. E o primeiro deles é o direito à informação. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, inciso XIV, o acesso à informação de forma ampla. Isso vale para contratos, termos de uso, práticas comerciais e até comunicações eletrônicas. O consumidor não pode ser enganado por letras miúdas, e nenhuma “promoção imperdível” pode burlar os princípios da boa-fé e da transparência.
A Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), permanece sendo uma das principais ferramentas de proteção contra golpes que envolvem produtos, serviços e publicidade enganosa. A responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, que independe de culpa, é um escudo poderoso para o consumidor lesado, seja pela compra de um item falsificado em marketplace, seja por uma cobrança indevida no cartão.
Mas os golpes evoluíram. A fraude digital exige novos instrumentos de proteção. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, trouxe à tona um novo debate: a titularidade dos dados. O artigo 17 da LGPD estabelece que toda pessoa natural tem direito à proteção dos seus dados pessoais. Isso inclui saber quem os coleta, para quê, por quanto tempo e com qual fundamento legal. Empresas que descumprem esses princípios, além de violarem direitos fundamentais, estão sujeitas a sanções administrativas e, em muitos casos, indenizações por danos morais e materiais.
Contudo, o maior problema ainda não está na letra fria da lei, mas na aplicação prática dela. Muitos cidadãos sequer sabem que têm direito à portabilidade de dados ou à exclusão definitiva de seus registros em plataformas digitais. E, pior, quando descobrem que foram vítimas de um golpe, não sabem a quem recorrer.
Por isso, é preciso reforçar que proteger-se juridicamente exige atitude preventiva. Não se trata apenas de acionar o Judiciário após o dano, mas de conhecer e aplicar práticas de defesa antes do prejuízo. A orientação jurídica preventiva, que antes era comum apenas em grandes empresas, precisa se popularizar. Um simples contrato mal redigido, um aceite apressado em um aplicativo ou a exposição exagerada de informações pessoais nas redes sociais podem ser suficientes para gerar perdas imensas, inclusive de identidade.
Os crimes cibernéticos, por sua vez, ganharam corpo com o avanço das tecnologias e a passividade legislativa. O Código Penal, reformado pela Lei nº 12.737/2012 (conhecida como Lei Carolina Dieckmann), tipificou crimes como invasão de dispositivo eletrônico. Já a Lei nº 14.155/2021 endureceu penas para crimes como estelionato cometido por meio eletrônico. Ainda assim, os números crescem. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento de mais de 150% nos registros de fraudes digitais nos últimos três anos no país.
Além disso, é importante falar sobre os golpes travestidos de oportunidades jurídicas. Um exemplo comum são os falsos “advogados” que prometem revisão de benefícios previdenciários, recuperação de valores esquecidos ou acordos trabalhistas extrajudiciais relâmpago. Muitos brasileiros já foram vítimas dessas falsas promessas, que envolvem envio de documentos por WhatsApp, transferências bancárias adiantadas e uso indevido de OABs inexistentes. O cidadão deve sempre checar a autenticidade do profissional. O site da OAB nacional permite verificar a inscrição de qualquer advogado em exercício.
Outro golpe jurídico comum é o da falsa intimação judicial. O cidadão recebe um e-mail ou mensagem, muitas vezes com brasão da República e termos jurídicos rebuscados, informando sobre uma suposta ação movida contra ele. O intuito é fazer com que a pessoa clique em links maliciosos ou pague "custas processuais" indevidas. O Judiciário não envia notificações com cobranças via e-mail ou WhatsApp. Qualquer comunicação oficial deve ser feita por meios reconhecidos, como os sistemas eletrônicos de tribunais, Diário da Justiça ou, em casos excepcionais, por carta registrada.
Na esfera trabalhista, golpes de falsos recrutadores também têm gerado prejuízos. Promessas de emprego em troca de taxas de inscrição, cursos pagos ou compra de materiais obrigatórios são práticas fraudulentas. O artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é claro ao estabelecer a subordinação como elemento essencial da relação de emprego. Nenhum vínculo se inicia com ônus ao empregado.
Diante desse cenário, o que fazer?
Primeiro, desconfiar. A pressa é inimiga da razão, e o golpe se alimenta da ansiedade. Sempre que uma proposta parecer boa demais, o cuidado deve ser redobrado.
Segundo, documentar. Guarde prints, e-mails, conversas, recibos e qualquer prova do ocorrido. Isso pode fazer a diferença entre um inquérito arquivado e uma ação bem-sucedida.
Terceiro, consultar um advogado. Mesmo diante de situações aparentemente pequenas, a orientação técnica pode evitar que um problema se torne uma bola de neve. Muitos escritórios já oferecem atendimentos iniciais acessíveis, e a Defensoria Pública é uma via importante para quem não pode arcar com custos.
Quarto, denunciar. Crimes cibernéticos podem e devem ser denunciados à Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos, ao Ministério Público e às plataformas onde ocorreram. O site “gov.br” também oferece canais oficiais para reportar fraudes.
A função do Direito é ser escudo e bússola. Em tempos de golpes cada vez mais sofisticados, o papel do operador jurídico não se resume mais a litigar. É necessário educar, alertar e, acima de tudo, proteger.
Não há sociedade livre onde os direitos fundamentais são violados por e-mails duvidosos, aplicativos sorrateiros e discursos travestidos de ajuda. A verdadeira liberdade só se mantém onde há informação, responsabilidade e Justiça acessível. Isso só é possível quando o cidadão entende que seus direitos não são apenas cláusulas de um texto constitucional. São ferramentas reais de defesa em um mundo onde o próximo clique pode ser uma armadilha.

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