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A Face Moderna Do Crime: Uma Triste Realidade “Fake”.

Atualizado: 13 de jun.

Como o mercado brasileiro tem encarado os golpes digitais impulsionados por ia, deepfakes e a omissão institucional.


Num mundo onde a tecnologia avança mais rápido que a regulamentação, a promessa do digital virou rotina — e também armadilha. Compras online, pagamentos instantâneos e perfis com milhares de seguidores criam uma falsa sensação de segurança. Mas, quando algo dá errado, a pergunta sempre volta: como pude cair nesse golpe? E, afinal, como podemos nos proteger, mesmo quando tudo parece legítimo?

 


A Face Moderna Do Crime: Uma Triste Realidade “Fake”.


O ambiente digital está cada vez mais hostil. Vazamentos de dados, fraudes por engenharia social, perfis falsos, sites clonados, deepfakes e sistemas inseguros se multiplicam numa velocidade assustadora. Quando o golpe acontece, não dói só a ação dos criminosos: dói também a ausência de resposta adequada das instituições.

 

Consumidores de todas as idades e níveis de instrução ficam à deriva justamente nos momentos em que mais precisam de suporte. Primeiro, recebem avisos genéricos e mal divulgados. Depois, enfrentam a burocracia para tentar provar o que já deveria estar evidente: foram vítimas de um sistema falho. Um exemplo emblemático veio à tona recentemente: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que os bancos não têm responsabilidade em golpes realizados por meio de sites falsos. Uma cliente, ao tentar antecipar parcelas de um financiamento, buscou o site da instituição por um mecanismo de busca e caiu numa página falsa. Foi levada a uma conversa por aplicativo de mensagens e realizou o pagamento de boletos falsificados. O dinheiro foi parar na conta de criminosos, aberta com documentos aparentemente regulares em outra instituição financeira.

 

A cliente processou as duas instituições envolvidas, alegando que uma falhou ao permitir o golpe e a outra ao manter uma conta usada para fraudes. Porém, a 3ª Turma do STJ afastou o nexo causal entre a conduta dos bancos e o prejuízo. Para os ministros que votaram pela negativa, os bancos também seriam vítimas, afinal, têm interesse em evitar que golpistas se passem por suas marcas. Mas será mesmo razoável esperar que o consumidor tenha mais mecanismos de prevenção do que os próprios bancos e órgãos reguladores? A maioria dos ministros entendeu que não houve falha na prestação de serviço dos bancos, já que o site era falso e a conta usada no golpe parecia legítima.

 

Essa decisão escancara um problema estrutural: o ônus da prova e da vigilância recai totalmente sobre o consumidor. É como se o sistema dissesse: “A culpa é sua. Agora, cuide-se melhor da próxima vez.” Mas será razoável exigir que o cliente médio tenha o conhecimento técnico para identificar domínios clonados ou autenticar contas bancárias? Estamos falando de armadilhas digitais cada vez mais sofisticadas, criadas por especialistas em enganar. A divergência no julgamento é sintomática. Para os ministros Moura Ribeiro e Daniela Teixeira, vencidos na votação, houve sim falha empresarial. Os bancos falharam ao não prevenir esse tipo de golpe e ao permitirem que contas fraudulentas fossem usadas para movimentações suspeitas. Como destacou a ministra Daniela, bancos digitais, em especial, exigem maior rigor na abertura de contas — algo que, visivelmente, ainda não acontece com a seriedade necessária.

 

Se proteger minimamente já evitaria muitos desgastes. Mas o que se vê é um sistema que, em vez de amparar, pune a vítima. O cliente tem que provar que foi enganado, como se o sistema fosse um tribunal punitivo e não um serviço de proteção. Mais que uma inversão de valores, isso representa um desequilíbrio profundo entre consumidor e mercado. Enquanto a tecnologia avança a passos largos, a segurança digital ainda é tratada como privilégio ou produto a ser comprado, na forma de seguros e serviços "extras". Ou seja: empresas lucram vendendo proteção contra suas próprias falhas. Essas falhas deixaram de ser exceção e viraram rotina. Em vez de investir em soluções que facilitem a vida do usuário, o mercado viu uma oportunidade de lucro: seguros, serviços antifraude, verificações extras... Todos cobrados à parte, como se proteção fosse um upgrade, e não um direito básico. Afinal, o direito à segurança é um pilar fundamental, embutido no próprio conceito de cidadania digital — não pode ser opcional nem um luxo para poucos.

 

Isso nos leva a uma reflexão urgente: quem deve pagar o preço da insegurança digital? O consumidor já paga em dinheiro, tempo e frustração. Mas a responsabilidade precisa ser compartilhada entre todos os atores: bancos, empresas de tecnologia, plataformas de pagamento e o Estado.

 

A proliferação dos golpes digitais no Brasil é alarmante. Phishing, golpes por telefone, roubo de identidade e o uso de IA para falsificação de voz e imagem (deepfakes) são cada vez mais comuns. Dados recentes mostram que o uso de inteligência artificial em crimes digitais cresceu 900% no Distrito Federal entre 2022 e 2023 — um alerta que não pode ser ignorado. Mas, na prática, vemos uma transferência de responsabilidade. O consumidor, sem meios, sem apoio e frequentemente sem conhecimento técnico, é jogado para o centro do furacão. Empresas e bancos seguem impunes, blindados por interpretações jurídicas que ignoram a assimetria gritante dessa relação.

 

Responsabilidade não pode ser um jargão bonito para relatórios de ESG. Num mundo onde golpes digitais viraram rotina, precisamos de um pacto sério e prático por segurança, com responsabilidades divididas entre usuários, empresas, plataformas digitais e órgãos reguladores. É preciso: mecanismos robustos para abertura de contas bancárias; investimento real em educação digital acessível; suporte eficiente e empático para vítimas; rigor e agilidade na remoção de sites e perfis falsos; comprometimento com a reparação de danos, sem culpabilizar a vítima.

 

Quando falamos de cibersegurança, esse pacto tem que ser coletivo: da empresa que fornece tecnologia ao órgão que regula, passando pelo banco que movimenta dinheiro e pelo cliente que tenta navegar com segurança. Não se trata de punir empresas, mas de exigir compromisso real com prevenção, suporte eficiente e transparência. Enquanto isso não acontecer, o Brasil será terreno fértil para fraudes digitais — com vítimas tratadas como culpadas e instituições lucrando com o medo.

 

Enquanto o sistema falha em proteger quem mais precisa, fica claro que a verdadeira conta desse jogo está sendo paga por quem menos tem culpa. Quem, afinal, está realmente se beneficiando desse ciclo? A resposta ainda está por ser escrita, mas uma coisa é certa: sem mudança real, essa conta continuará sendo cobrada — e o preço sempre será da vítima.

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